De todos os textos que existem nos evangelhos, acredito que João seis seja o que mais prospera em trazer uma resposta confrontadora à uma geração cuja agenda seja satisfazer os ditames de uma religião que a faz olhar para si mesma. É um texto onde coisas raras aconteceram como a forma com que alguns dos que diziam ser discípulos de Jesus, se manifestaram ao classificarem o sermão da ocasião como duro e difícil de ouvir.
O Evangelho é assim. Confronta nossas investidas meritórias, de fazermos algo em prol do que buscamos; obras que não passam de inadequações, em face da religião cuja obra é Deus quem a faz. Em João seis, um milagre de misericórdia em favor dos que tinham fome foi sucedido por uma palavra de veemente exortação sobre os mesmos favorecidos; isso porque este povo, dantes sedento, porém agora, farto por um dia, se viu no direito de arrogar a condição de sempre satisfeito, nem que o preço a ser pago por isso fosse o de comprometer a palavra da vida, pelo milagre que temporariamente sacia [2 Co 4.18].
Esse texto é como uma radiografia que desnuda e revela nossos desinteresses pelo Evangelho suplantado por nossos desejos de colecionarmos bênçãos sob a justificativa de que isso seja ser cristão. Diante de uma multidão faminta, Jesus propôs operar um milagre de multiplicação de alimentos, por meio do qual o que era suficiente para saciar a fome de uma família, seria agora suficiente para uma multidão se regalar e matar sua fome. Feito o milagre, a multidão supôs que, em razão de Jesus tê-la saciado a fome, o mesmo poderia continuar acontecendo como prova da missão de Jesus, e aqui vemos o primeiro erro da multidão, no qual não devemos incorrer:
Uma falsa compreensão de milagre gerou uma falsa compreensão de quem Jesus era:
“Vendo, pois, aqueles homens o milagre que Jesus tinha feito, diziam: Este é verdadeiramente o profeta que devia vir ao mundo”. [João 6.14]
Ou seja, “Este é aquele de quem esperávamos a satisfação de nossos perenes desejos. Esse é aquele por quem muito ansiávamos, porque nele haverá de ter sempre um sim às nossas solicitações”, e esta foi a razão pela qual a multidão se satisfez naquela obra de Jesus, visto que nela, também anteviram muitas outras intervenções como possíveis de se realizarem, para as quais um profeta estará sempre pronto a se atentar, supuseram. Essa visão avilta o evangelho e a verdadeira missão de Jesus Cristo. O fato de Jesus fazer algo por nós, não nos dará o direito de acreditar que ele sempre fará algo por nós, e o fato dele soberanamente querer atentar para uma de nossas necessidades não nos deve levar a crer que o cristianismo possa se constituir nisso, na crença de um Deus que prova ser Senhor dos seus servos surpreendendo-os, sempre, em meio ao problema com livramento certo. Se ufanar pelo que Jesus sempre pode fazer por mim, consiste em alegrar-se pela minha satisfação sobre as minhas ansiedades, somente. A declaração mostra o fim ao qual aquela multidão queria chegar e o meio pelo qual acreditavam que obteriam esse fim. O fim é a satisfação das necessidades, supridas pela intervenção sempre milagrosa daquele de quem fluirá, sempre, as soluções para os problemas, e nesta visão turva da fé, Jesus tornar-se, pragmaticamente, no meio através do qual se consegue isso. Assim, Jesus ao ser visto desta forma, sendo este profeta do qual minha resposta fluirá, se vê adulterado, visto como alguém necessário para algo mais importante do que ele mesmo possa o ser. É razoável dizer que Jesus é o profeta que deveria vir ao mundo ao vê-lo fazer algo por minha vida, na crença de que ele o fará de novo? O que é a prioridade? Jesus por quem somos salvos ou o milagre de um profeta que o mundo precisava ter porque precisa do milagre que este profeta pode realizar?
A falsa compreensão de Jesus e do milagre por ele efetuado, resultou numa falsa adoração à Jesus:
“Sabendo, pois, Jesus que haviam de vir arrebatá-lo, para o fazerem rei, tornou a retirar-se, ele só, para o monte”. [João 6:15]
Note, Jesus quer ser o Senhor dos pecadores, mas não pelos motivos errados. Se nos submetermos à Cristo em razão do bem que dele pode advir, como um milagre, na verdade não o reverenciamos, como não estamos dispostos a agradecer ao cozinheiro e garçom pela comida que comemos em um restaurante, pois não se constituem no fim de minha necessidade, muito embora sejam o meio, mas, também não mais notados. Mesmo não tendo conseguido, naquele momento, aclamar Jesus como o milagreiro de plantão, essa disposição perdurou por mais de um dia, e na manhã seguinte, os alvissareiros por milagres, buscavam Jesus, assim como uma platéia animada anseia por ver o mago tirar mais um coelho da cartola, ou mais apropriadamente, ver mais “um pão e um peixe” no cesto, e, assim,
Uma falsa compreensão de adoração à Cristo resultou numa falsa busca por Cristo:
“Vendo, pois, a multidão que Jesus não estava ali nem os seus discípulos, entraram eles também nos barcos, e foram a Cafarnaum, em busca de Jesus”. [João 6:24]
O esforço foi dispendioso. Eles estavam dispostos a atravessar um rio em busca daquele de quem esperavam receber outra remessa de milagres. Isso me faz lembrar a compreensão contemporânea de milagres e o esforço que o homem emprega para fazer de sua vida uma corrida frenética em busca de satisfação nesses milagres. Quando se trata de receber algo que o homem almeja muito ter, todos os esforços são envidados para alcançar este objetivo. O ter suplanta o ser num mundo cuja égide consiste em auto-satisfação por ter tudo que se deseja.
Frente ao esforço executado pela multidão para, não ver Jesus, mas o milagre que ele poderia fazer, Jesus disse que o labor que busca ter um milagre ao invés de ver nele um sinal que aponte para quem Ele de fato É, não pode ser genuíno, visto que não aponta para o verdadeiro propósito da vida de Cristo e para o motivo pelo qual o Pai o selou, e a compreensão desse propósito, faz da pessoa de Jesus, e não meramente o que ele faz, a origem da qual flui o que é mais importante do que ver uma intervenção milagrosa, a vida eterna, a salvação das nossas almas:
“Jesus respondeu-lhes, e disse: Na verdade, na verdade vos digo que me buscais, não pelos sinais que vistes, mas porque comestes do pão e vos saciastes. Trabalhai, não pela comida que perece, mas pela comida que permanece para a vida eterna, a qual o Filho do homem vos dará; porque a este o Pai, Deus, o selou”. [João 6:26-27]
Porém, quando o homem está cego, impossibilitado de ver o brilho do sol e o que ele pode iluminar ao seu redor, a incompreensão sobre o que é importante no reino permanece, e na multidão do texto,
Uma falsa busca por Jesus resultou numa falsa compreensão de obra a ser feita para Deus.
"Disseram-lhe, pois: Que faremos para executarmos as obras de Deus?" [João 6:28]
A princípio a pergunta pode parecer genuína; porém, ao analisarmos o contexto em que ela foi feita, se percebe o grau de utilitarismo com o qual a pergunta estava carregada. Na verdade, eles queriam saber como satisfazer as exigências de Deus para conseguirem de Deus aquilo que de fato buscavam, tendo sido esta a única e espúria razão pela qual atravessaram o rio. O que fazer para se ter o que se deseja? Eis o sentido real do questionamento daquela multidão. A versão contemporânea desse comportamento se vê quando são promovidas campanhas nas quais penitências, tomada de posse e obras são exigidas daqueles que desejam ser alcançados com a promessa tema da campanha, onde Deus é estritamente visto como um herói que luta em favor dos problemas do seu povo, e sendo esta “vitória” o centro em torno do qual tudo gira. Mas, a resposta dada por Jesus consiste no centro da mensagem do evangelho, tão repudiada por aqueles que fazem do milagre a causa mais importante da vida cristã:
“Jesus respondeu, e disse-lhes: A obra de Deus é esta: Que creiais naquele que ele enviou”. [João 6:29]
A obra necessária à salvação não é uma obra que antecede a salvação. A obra genuína é a fé naquele de quem a obra pela qual Deus é louvado se origina. A obra é crer em Jesus Cristo. Crer em Jesus significa depositar a sua confiança em uma pessoa e não no que ela pode fazer em favor de sua causa periférica. A fé não só é o fundamento sobre o qual o relacionamento com Deus se sustenta [Hb 11.6], sendo por essa razão um dever fundamental [Jo 6.29], mas também é uma arma necessária ao triunfo cristão sobre as lutas [Ef 6.16], bem como indispensável à oração [Tg 1.5], sendo, portanto através da fé que estamos unidos em Deus por seu amor [1 Jo3.23]. A resposta de Jesus teve como propósito ensinar o que é necessário à salvação, enquanto que a obra pela qual a multidão perguntou diz respeito ao que fazer para alcançar de Deus o que se deseja ter, e é evidente que a resposta de Jesus não satisfez a pergunta da multidão, como fica claro pelo que se segue no texto:
“Disseram-lhe, pois: Que sinal, pois, fazes tu, para que o vejamos, e creiamos em ti? Que operas tu?” [João 6:30]
Com essa réplica à resposta contundente de Jesus na qual está expressa a obra do Evangelho, vê-se claramente o quão distante do evangelho aquela multidão estava, uma vez que o milagre da multiplicação efetuado por Jesus lhe foi suficiente para aclamar a Jesus como o profeta que o mundo precisava ter, mesmo que agora o povo estivesse subestimando a origem de Jesus ao concluir que o mesmo milagre não se constituía de um sinal válido à confirmação do ministério de Jesus, incorrendo numa clara contradição, onde se pôde ver a insinceridade da pergunta. “Ele é o profeta que seu milagre nos deu conta de provar, mas, nos falta as evidências para vê-lo como o enviado de Deus em quem se deve crer para se cumprir a obra de Deus”. Comportamento similar a esse que atualmente nós presenciamos é aquele que superestima o poder de Deus para a cura de uma enfermidade, mas subestima o milagre da redenção e a obra maravilhosa que Deus opera na vida do pecador que confia em Cristo como seu Salvador. Muitos se reúnem alardeando alegria pelo desejo de ver uma intervenção miraculosa, sem se render ao milagre feito por Deus em favor de nossa redenção. “Jesus é Deus, ele sustenta o universo, ele é o Senhor de toda terra, em suas mãos está todo o poder, e, ela é capaz de me dar a minha vitória”. Eis uma típica, oportunista e recorrente evocação do poder de Deus para dizer o quanto ele é poderoso para fazer o que se deseja ter. As muitas declarações do ser e do poder de Deus não são realmente refletidas por um coração piedoso, mas são recorridas para provar que este ser que é poderoso pode fazer algo em favor daquilo que peço. E, quanto à multidão do texto, além de ter subestimado o sinal de Jesus, ela deu um exemplo prático daquilo que foi um milagre à maneira como esperava que o de Cristo tivesse que ser a fim de que fosse digno de prova:
“Nossos pais comeram o maná no deserto, como está escrito: Deu-lhes a comer o pão do céu”. [João 6:31]
Mas aqui, como fica claro, o sinal que aquele povo esperava ver, tinha que o favorecer, como o povo de Israel foi favorecido ao se alimentar do maná no deserto, alegavam. Como crer em Cristo não satisfaz a fome de milagre segundo uma mente carnal, então a obra genuína segundo a qual se precisava crer naquele que do Pai foi enviado, não lhe satisfazia. O povo não desejava viver eternamente, mas sim satisfazer-se temporalmente. No que diz respeito ao evangelho, Deus oferece a vida, mas no que diz respeito aos anseios de um povo distante deste evangelho, a posse temporal era o que ele desejava. Quando Jesus se apresentou como aquele que saciava a fome espiritual, aqueles seguidores de milagres o preteriram em razão do pão que alimenta o corpo.
O que se segue no texto é uma magistral demonstração de Cristo pela qual ele mostra por qual razão Ele é aquilo que o maná jamais foi, ele é o pão que dá vida ao mundo. Essas palavras de Jesus soaram atrativas ao povo desejoso pelo milagroso, sobretudo porque Jesus disse que ele busca dar um pão com o qual o maná dado ao povo no tempo de Moisés não pode comparar. Porém, bastou outro esclarecimento de Jesus sobre o que ele de fato estava querendo dizer, para vermos, de novo, o povo sucumbir na decepção:
“Disseram-lhe, pois: Senhor, dá-nos sempre desse pão. E Jesus lhes disse: Eu sou o pão da vida; aquele que vem a mim não terá fome, e quem crê em mim nunca terá sede. Murmuravam, pois, dele os judeus [...]”. [João 6:34-35,41]
Ao responder a ansiedade do povo que deseja ver o que era maior do que o milagre dado ao povo de Israel por Moisés, Jesus, mais uma vez, resume o Evangelho, declarando a si mesmo como o Pão da vida que sacia a fome e a sede espiritual. Porém, como esse ensino faz de Cristo o alvo a ser alcançado e não o que ele pode fazer em favor do que nele acredita, o povo murmurou, comparando as palavras de Jesus com questões naturais, de forma minimalista. Questionaram como ele poderia ter vindo do céu [v.38] sendo filho de um carpinteiro muito conhecido na terra de Israel, e a partir daqui, Jesus explica o motivo porque alguns não criam nele, trazendo ao sermão, uma doutrina historicamente chamada de chamado eficaz, sendo este chamado um convite interno operado por Deus através do qual ele traz os seus à vida, para que possam crer nele como sendo aquele a quem diz ser, e como o povo não acreditava que Jesus era aquele a quem dizia ser, Jesus lhe explicou que somente aqueles nos quais o Pai opera essa transformação levando-os a Cristo é que crerão na verdade de que Jesus é o pão vivo que desceu do céu a fim de saciar a fome espiritual. Os pecadores aprendem de Cristo o caminho no qual trilharão para confiarem em Jesus. Eles serão ensinados por Deus, por serem de Deus e herdarão por fim a vida eterna [1 Jo 3.15,36].
Resumindo, ao cabo do sermão, o inesperado acontece. Além de o povo ter virado as costas para Jesus frente aquele sermão de autonegação e satisfação em Cristo, alguns dos que ao lado de Jesus se intitulavam discípulos manifestaram o seu ponto de vista sobre o que Jesus houvera dito:
“Duro é este discurso; quem o pode ouvir?” [João 6:60]
Embora a resposta a essa pergunta já tivesse sido dada por Jesus, que aqueles que pelo pai são trazidos ao caminho desejam ir a Cristo, esses discípulos, agora decepcionados, decidiram por não andarem mais com Jesus. Porém, assim o fizeram porque realmente não criam nele, e este foi o veredicto que Jesus deu contra aqueles que se espantaram com esse sermão que para os salvos é comida fresca e viva, reafirmando a razão desse abandono:
“Mas há alguns de vós que não crêem. Porque bem sabia Jesus, desde o princípio, quem eram os que não criam, e quem era o que o havia de entregar. E dizia: Por isso eu vos disse que ninguém pode vir a mim, se por meu Pai não lhe for concedido. Desde então muitos dos seus discípulos tornaram para trás, e já não andavam com ele”. [João 6:64-66]
Diante do que foi dito, nada poderiam fazer, senão abandonar aquilo que não era nada além de um simulacro de profissão de fé, e o sermão termina com um convite de reflexão àqueles que de fato têm provado de Deus, e do seu maravilhoso alimento: “Quereis vós também retirar-vos”? [João 6:67].
A resposta de Pedro prova o quanto um homem pode conhecer a Deus pela via do Cristo que é o Pão vivo que desceu do céu:
“Respondeu-lhe, pois, Simão Pedro: Senhor, para quem iremos nós? Tu tens as palavras da vida eterna. E nós temos crido e conhecido que tu és o Cristo, o Filho do Deus vivente" [João 6:68-69]
“Para quem” diz respeito a “quem” e não o “que”. A vitória sobre a qual Jesus falava não se trata de algo ou de alguma coisa, mas sim de uma pessoa, trata-se do próprio Cristo como o tesouro a ser adquirido. O cristão que se vê salvo, não deve se satisfazer por possuir algo, mas sim regozijar-se em razão de ter aquele por quem foi possuído. Não possuímos algumas coisas, Cristo é quem nos possuiu e agora, nossa vida se resume em alegrar-se nele [Fp 4.4], pois não há outro para o qual poderemos nos voltar a fim de termos o maior de todos os bens: A vida Eterna. O que isso significa?
Uma verdadeira compreensão dos sinais de Jesus resulta numa verdadeira adoração em razão de saber quem Jesus Cristo é, o que nos leva a conhecer o que dele recebemos: a vida eterna, para o louvor de sua Glória.
Soli Deo Gloria
O Evangelho é assim. Confronta nossas investidas meritórias, de fazermos algo em prol do que buscamos; obras que não passam de inadequações, em face da religião cuja obra é Deus quem a faz. Em João seis, um milagre de misericórdia em favor dos que tinham fome foi sucedido por uma palavra de veemente exortação sobre os mesmos favorecidos; isso porque este povo, dantes sedento, porém agora, farto por um dia, se viu no direito de arrogar a condição de sempre satisfeito, nem que o preço a ser pago por isso fosse o de comprometer a palavra da vida, pelo milagre que temporariamente sacia [2 Co 4.18].
Esse texto é como uma radiografia que desnuda e revela nossos desinteresses pelo Evangelho suplantado por nossos desejos de colecionarmos bênçãos sob a justificativa de que isso seja ser cristão. Diante de uma multidão faminta, Jesus propôs operar um milagre de multiplicação de alimentos, por meio do qual o que era suficiente para saciar a fome de uma família, seria agora suficiente para uma multidão se regalar e matar sua fome. Feito o milagre, a multidão supôs que, em razão de Jesus tê-la saciado a fome, o mesmo poderia continuar acontecendo como prova da missão de Jesus, e aqui vemos o primeiro erro da multidão, no qual não devemos incorrer:
Uma falsa compreensão de milagre gerou uma falsa compreensão de quem Jesus era:
“Vendo, pois, aqueles homens o milagre que Jesus tinha feito, diziam: Este é verdadeiramente o profeta que devia vir ao mundo”. [João 6.14]
Ou seja, “Este é aquele de quem esperávamos a satisfação de nossos perenes desejos. Esse é aquele por quem muito ansiávamos, porque nele haverá de ter sempre um sim às nossas solicitações”, e esta foi a razão pela qual a multidão se satisfez naquela obra de Jesus, visto que nela, também anteviram muitas outras intervenções como possíveis de se realizarem, para as quais um profeta estará sempre pronto a se atentar, supuseram. Essa visão avilta o evangelho e a verdadeira missão de Jesus Cristo. O fato de Jesus fazer algo por nós, não nos dará o direito de acreditar que ele sempre fará algo por nós, e o fato dele soberanamente querer atentar para uma de nossas necessidades não nos deve levar a crer que o cristianismo possa se constituir nisso, na crença de um Deus que prova ser Senhor dos seus servos surpreendendo-os, sempre, em meio ao problema com livramento certo. Se ufanar pelo que Jesus sempre pode fazer por mim, consiste em alegrar-se pela minha satisfação sobre as minhas ansiedades, somente. A declaração mostra o fim ao qual aquela multidão queria chegar e o meio pelo qual acreditavam que obteriam esse fim. O fim é a satisfação das necessidades, supridas pela intervenção sempre milagrosa daquele de quem fluirá, sempre, as soluções para os problemas, e nesta visão turva da fé, Jesus tornar-se, pragmaticamente, no meio através do qual se consegue isso. Assim, Jesus ao ser visto desta forma, sendo este profeta do qual minha resposta fluirá, se vê adulterado, visto como alguém necessário para algo mais importante do que ele mesmo possa o ser. É razoável dizer que Jesus é o profeta que deveria vir ao mundo ao vê-lo fazer algo por minha vida, na crença de que ele o fará de novo? O que é a prioridade? Jesus por quem somos salvos ou o milagre de um profeta que o mundo precisava ter porque precisa do milagre que este profeta pode realizar?
A falsa compreensão de Jesus e do milagre por ele efetuado, resultou numa falsa adoração à Jesus:
“Sabendo, pois, Jesus que haviam de vir arrebatá-lo, para o fazerem rei, tornou a retirar-se, ele só, para o monte”. [João 6:15]
Note, Jesus quer ser o Senhor dos pecadores, mas não pelos motivos errados. Se nos submetermos à Cristo em razão do bem que dele pode advir, como um milagre, na verdade não o reverenciamos, como não estamos dispostos a agradecer ao cozinheiro e garçom pela comida que comemos em um restaurante, pois não se constituem no fim de minha necessidade, muito embora sejam o meio, mas, também não mais notados. Mesmo não tendo conseguido, naquele momento, aclamar Jesus como o milagreiro de plantão, essa disposição perdurou por mais de um dia, e na manhã seguinte, os alvissareiros por milagres, buscavam Jesus, assim como uma platéia animada anseia por ver o mago tirar mais um coelho da cartola, ou mais apropriadamente, ver mais “um pão e um peixe” no cesto, e, assim,
Uma falsa compreensão de adoração à Cristo resultou numa falsa busca por Cristo:
“Vendo, pois, a multidão que Jesus não estava ali nem os seus discípulos, entraram eles também nos barcos, e foram a Cafarnaum, em busca de Jesus”. [João 6:24]
O esforço foi dispendioso. Eles estavam dispostos a atravessar um rio em busca daquele de quem esperavam receber outra remessa de milagres. Isso me faz lembrar a compreensão contemporânea de milagres e o esforço que o homem emprega para fazer de sua vida uma corrida frenética em busca de satisfação nesses milagres. Quando se trata de receber algo que o homem almeja muito ter, todos os esforços são envidados para alcançar este objetivo. O ter suplanta o ser num mundo cuja égide consiste em auto-satisfação por ter tudo que se deseja.
Frente ao esforço executado pela multidão para, não ver Jesus, mas o milagre que ele poderia fazer, Jesus disse que o labor que busca ter um milagre ao invés de ver nele um sinal que aponte para quem Ele de fato É, não pode ser genuíno, visto que não aponta para o verdadeiro propósito da vida de Cristo e para o motivo pelo qual o Pai o selou, e a compreensão desse propósito, faz da pessoa de Jesus, e não meramente o que ele faz, a origem da qual flui o que é mais importante do que ver uma intervenção milagrosa, a vida eterna, a salvação das nossas almas:
“Jesus respondeu-lhes, e disse: Na verdade, na verdade vos digo que me buscais, não pelos sinais que vistes, mas porque comestes do pão e vos saciastes. Trabalhai, não pela comida que perece, mas pela comida que permanece para a vida eterna, a qual o Filho do homem vos dará; porque a este o Pai, Deus, o selou”. [João 6:26-27]
Porém, quando o homem está cego, impossibilitado de ver o brilho do sol e o que ele pode iluminar ao seu redor, a incompreensão sobre o que é importante no reino permanece, e na multidão do texto,
Uma falsa busca por Jesus resultou numa falsa compreensão de obra a ser feita para Deus.
"Disseram-lhe, pois: Que faremos para executarmos as obras de Deus?" [João 6:28]
A princípio a pergunta pode parecer genuína; porém, ao analisarmos o contexto em que ela foi feita, se percebe o grau de utilitarismo com o qual a pergunta estava carregada. Na verdade, eles queriam saber como satisfazer as exigências de Deus para conseguirem de Deus aquilo que de fato buscavam, tendo sido esta a única e espúria razão pela qual atravessaram o rio. O que fazer para se ter o que se deseja? Eis o sentido real do questionamento daquela multidão. A versão contemporânea desse comportamento se vê quando são promovidas campanhas nas quais penitências, tomada de posse e obras são exigidas daqueles que desejam ser alcançados com a promessa tema da campanha, onde Deus é estritamente visto como um herói que luta em favor dos problemas do seu povo, e sendo esta “vitória” o centro em torno do qual tudo gira. Mas, a resposta dada por Jesus consiste no centro da mensagem do evangelho, tão repudiada por aqueles que fazem do milagre a causa mais importante da vida cristã:
“Jesus respondeu, e disse-lhes: A obra de Deus é esta: Que creiais naquele que ele enviou”. [João 6:29]
A obra necessária à salvação não é uma obra que antecede a salvação. A obra genuína é a fé naquele de quem a obra pela qual Deus é louvado se origina. A obra é crer em Jesus Cristo. Crer em Jesus significa depositar a sua confiança em uma pessoa e não no que ela pode fazer em favor de sua causa periférica. A fé não só é o fundamento sobre o qual o relacionamento com Deus se sustenta [Hb 11.6], sendo por essa razão um dever fundamental [Jo 6.29], mas também é uma arma necessária ao triunfo cristão sobre as lutas [Ef 6.16], bem como indispensável à oração [Tg 1.5], sendo, portanto através da fé que estamos unidos em Deus por seu amor [1 Jo3.23]. A resposta de Jesus teve como propósito ensinar o que é necessário à salvação, enquanto que a obra pela qual a multidão perguntou diz respeito ao que fazer para alcançar de Deus o que se deseja ter, e é evidente que a resposta de Jesus não satisfez a pergunta da multidão, como fica claro pelo que se segue no texto:
“Disseram-lhe, pois: Que sinal, pois, fazes tu, para que o vejamos, e creiamos em ti? Que operas tu?” [João 6:30]
Com essa réplica à resposta contundente de Jesus na qual está expressa a obra do Evangelho, vê-se claramente o quão distante do evangelho aquela multidão estava, uma vez que o milagre da multiplicação efetuado por Jesus lhe foi suficiente para aclamar a Jesus como o profeta que o mundo precisava ter, mesmo que agora o povo estivesse subestimando a origem de Jesus ao concluir que o mesmo milagre não se constituía de um sinal válido à confirmação do ministério de Jesus, incorrendo numa clara contradição, onde se pôde ver a insinceridade da pergunta. “Ele é o profeta que seu milagre nos deu conta de provar, mas, nos falta as evidências para vê-lo como o enviado de Deus em quem se deve crer para se cumprir a obra de Deus”. Comportamento similar a esse que atualmente nós presenciamos é aquele que superestima o poder de Deus para a cura de uma enfermidade, mas subestima o milagre da redenção e a obra maravilhosa que Deus opera na vida do pecador que confia em Cristo como seu Salvador. Muitos se reúnem alardeando alegria pelo desejo de ver uma intervenção miraculosa, sem se render ao milagre feito por Deus em favor de nossa redenção. “Jesus é Deus, ele sustenta o universo, ele é o Senhor de toda terra, em suas mãos está todo o poder, e, ela é capaz de me dar a minha vitória”. Eis uma típica, oportunista e recorrente evocação do poder de Deus para dizer o quanto ele é poderoso para fazer o que se deseja ter. As muitas declarações do ser e do poder de Deus não são realmente refletidas por um coração piedoso, mas são recorridas para provar que este ser que é poderoso pode fazer algo em favor daquilo que peço. E, quanto à multidão do texto, além de ter subestimado o sinal de Jesus, ela deu um exemplo prático daquilo que foi um milagre à maneira como esperava que o de Cristo tivesse que ser a fim de que fosse digno de prova:
“Nossos pais comeram o maná no deserto, como está escrito: Deu-lhes a comer o pão do céu”. [João 6:31]
Mas aqui, como fica claro, o sinal que aquele povo esperava ver, tinha que o favorecer, como o povo de Israel foi favorecido ao se alimentar do maná no deserto, alegavam. Como crer em Cristo não satisfaz a fome de milagre segundo uma mente carnal, então a obra genuína segundo a qual se precisava crer naquele que do Pai foi enviado, não lhe satisfazia. O povo não desejava viver eternamente, mas sim satisfazer-se temporalmente. No que diz respeito ao evangelho, Deus oferece a vida, mas no que diz respeito aos anseios de um povo distante deste evangelho, a posse temporal era o que ele desejava. Quando Jesus se apresentou como aquele que saciava a fome espiritual, aqueles seguidores de milagres o preteriram em razão do pão que alimenta o corpo.
O que se segue no texto é uma magistral demonstração de Cristo pela qual ele mostra por qual razão Ele é aquilo que o maná jamais foi, ele é o pão que dá vida ao mundo. Essas palavras de Jesus soaram atrativas ao povo desejoso pelo milagroso, sobretudo porque Jesus disse que ele busca dar um pão com o qual o maná dado ao povo no tempo de Moisés não pode comparar. Porém, bastou outro esclarecimento de Jesus sobre o que ele de fato estava querendo dizer, para vermos, de novo, o povo sucumbir na decepção:
“Disseram-lhe, pois: Senhor, dá-nos sempre desse pão. E Jesus lhes disse: Eu sou o pão da vida; aquele que vem a mim não terá fome, e quem crê em mim nunca terá sede. Murmuravam, pois, dele os judeus [...]”. [João 6:34-35,41]
Ao responder a ansiedade do povo que deseja ver o que era maior do que o milagre dado ao povo de Israel por Moisés, Jesus, mais uma vez, resume o Evangelho, declarando a si mesmo como o Pão da vida que sacia a fome e a sede espiritual. Porém, como esse ensino faz de Cristo o alvo a ser alcançado e não o que ele pode fazer em favor do que nele acredita, o povo murmurou, comparando as palavras de Jesus com questões naturais, de forma minimalista. Questionaram como ele poderia ter vindo do céu [v.38] sendo filho de um carpinteiro muito conhecido na terra de Israel, e a partir daqui, Jesus explica o motivo porque alguns não criam nele, trazendo ao sermão, uma doutrina historicamente chamada de chamado eficaz, sendo este chamado um convite interno operado por Deus através do qual ele traz os seus à vida, para que possam crer nele como sendo aquele a quem diz ser, e como o povo não acreditava que Jesus era aquele a quem dizia ser, Jesus lhe explicou que somente aqueles nos quais o Pai opera essa transformação levando-os a Cristo é que crerão na verdade de que Jesus é o pão vivo que desceu do céu a fim de saciar a fome espiritual. Os pecadores aprendem de Cristo o caminho no qual trilharão para confiarem em Jesus. Eles serão ensinados por Deus, por serem de Deus e herdarão por fim a vida eterna [1 Jo 3.15,36].
Resumindo, ao cabo do sermão, o inesperado acontece. Além de o povo ter virado as costas para Jesus frente aquele sermão de autonegação e satisfação em Cristo, alguns dos que ao lado de Jesus se intitulavam discípulos manifestaram o seu ponto de vista sobre o que Jesus houvera dito:
“Duro é este discurso; quem o pode ouvir?” [João 6:60]
Embora a resposta a essa pergunta já tivesse sido dada por Jesus, que aqueles que pelo pai são trazidos ao caminho desejam ir a Cristo, esses discípulos, agora decepcionados, decidiram por não andarem mais com Jesus. Porém, assim o fizeram porque realmente não criam nele, e este foi o veredicto que Jesus deu contra aqueles que se espantaram com esse sermão que para os salvos é comida fresca e viva, reafirmando a razão desse abandono:
“Mas há alguns de vós que não crêem. Porque bem sabia Jesus, desde o princípio, quem eram os que não criam, e quem era o que o havia de entregar. E dizia: Por isso eu vos disse que ninguém pode vir a mim, se por meu Pai não lhe for concedido. Desde então muitos dos seus discípulos tornaram para trás, e já não andavam com ele”. [João 6:64-66]
Diante do que foi dito, nada poderiam fazer, senão abandonar aquilo que não era nada além de um simulacro de profissão de fé, e o sermão termina com um convite de reflexão àqueles que de fato têm provado de Deus, e do seu maravilhoso alimento: “Quereis vós também retirar-vos”? [João 6:67].
A resposta de Pedro prova o quanto um homem pode conhecer a Deus pela via do Cristo que é o Pão vivo que desceu do céu:
“Respondeu-lhe, pois, Simão Pedro: Senhor, para quem iremos nós? Tu tens as palavras da vida eterna. E nós temos crido e conhecido que tu és o Cristo, o Filho do Deus vivente" [João 6:68-69]
“Para quem” diz respeito a “quem” e não o “que”. A vitória sobre a qual Jesus falava não se trata de algo ou de alguma coisa, mas sim de uma pessoa, trata-se do próprio Cristo como o tesouro a ser adquirido. O cristão que se vê salvo, não deve se satisfazer por possuir algo, mas sim regozijar-se em razão de ter aquele por quem foi possuído. Não possuímos algumas coisas, Cristo é quem nos possuiu e agora, nossa vida se resume em alegrar-se nele [Fp 4.4], pois não há outro para o qual poderemos nos voltar a fim de termos o maior de todos os bens: A vida Eterna. O que isso significa?
Uma verdadeira compreensão dos sinais de Jesus resulta numa verdadeira adoração em razão de saber quem Jesus Cristo é, o que nos leva a conhecer o que dele recebemos: a vida eterna, para o louvor de sua Glória.
Soli Deo Gloria